quarta-feira, 12 de agosto de 2009

SANTA OUSADIA!

Por Thiago Nunes, SDB*

Todo discernimento verdadeiro é ousado, mas o que conta é a passividade ativa, a reposta livre e generosa à gratuidade do dom de Deus. Seguir o caminho do Espírito sendo tão pecadores e tão feridos, tão fracos e cheios de limites... é uma grande ousadia! Ser ousado, nesse caso, não é nenhuma bravata, mas aceitar o sentir-se chamado para algo a que ninguém pode chamar a si mesmo. É uma ousadia encontrar-se, apesar das nossas fraquezas e pecados, praticando as obras de misericórdia, agindo à feição de Jesus. Isso sim é ousadia!
Ousadia é não sentir a vertigem produzida pelas faltas e mesquinharias pessoais; é prescindir da avaliação das qualidades ou atitudes morais – que virá por acréscimo. A ousadia é não se fixar no barco que se tem: se, é grande, forte, bem feito, bonito, cômodo. De nossa parte, temos de garantir que não entre água... O resto não conta; o que interessa é chegar ao porto – aí está a ousadia! Ocorre com a vida espiritual o mesmo que se passa com um barco a vela em que só se considera o deixar-se impelir pelo vento para chegar ao destino. Deve-se fazer um esforço para prescindir do balanço de qualificações e para se estar prontos para verificar a direção correta e, depois, alegrar-se ao ver as velas retesadas e o barco avançando. Eis a ousadia de deixar-se levar!
Também é uma ousadia penetrar na vida do Espírito e desejar ser testemunhas da ação de Jesus, muitas vezes sem ter os sinais de Jesus na vida, sem que exista total congruência na própria existência. Talvez seja melhor não ter as forças – as virtudes – do Senhor. Ao contrário do que diz o aforismo filosófico, na vida espiritual dá-se o que não se tem. Somente ao comunicarmos o que não possuímos – grande paradoxo – é que o podemos obter, graças ao reflexo que recebemos da pessoa a quem outorgamos a força do Senhor. Isso não segue a lógica humana. Contudo, a experiência confirma o seu acerto quando, muitas vezes, estando numa grande desolação, comunicamos, para nosso assombro, paz e essa quietude a quem delas necessita. E, precisamente ao transmitirmos esse dinamismo (que não possuímos) recebemos essa paz e essa quietude refletidas naquele a quem socorremos. Recebe-se então a consolação. Mais do que isso, é assim que, muitas vezes, Ele nos brinda com a sua presença e acompanhamento. Animar-se com tudo isso é uma grande ousadia!
O esforço é pôr-se a caminho. Chegou o momento de soltar as amarras e começar a navegar. Não devemos temer o fazer-se ao mar. Temos de começar a distinguir com nitidez o que é andar à mercê das ondas e deixar-se levar pelos ventos favoráveis. Mas, naturalmente, temos de levar âncoras e ficar como disse Machado: "com pouco equipamento estando quase desnudos como filhos do mar". Assim, seguimos o Espírito sem nos adiantarmos a ele; experimentamos ser conduzidos com suavidade para onde não sabíamos; percorremos o caminho com sábia ignorância dos que querem pôr humildemente o coração em Cristo. Isso é sinal de uma santa ousadia!


Fonte: Nordeste Hoje - Ano X - Nº 26 -- 07 de agosto de 2009
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* Estudante de Teologia - Lapa/SP

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